Ela entrou e olhou em volta encantada. Tudo era lindo,
delicado e suntuoso. Desde o menor objeto aos grandes armários que
forravam as altas paredes, ou os majestosos lustres cheios de pedrarias que
pendiam do teto. 'Hummm! Dignos de um palácio!'
Deteve-se junto a umas prateleiras circulares, apreciando cada objeto. Bailarinas de louça rodopiando que lembravam antigos casarões. A música que vinha das caixinhas reportou-a à imagem de sua avó e à infância. Voltou a olhar em volta, andando devagar, como querendo absorver tudo. Passou a mão no veludo de uma chaise longue. Que requinte!
Ela verdadeiramente sentia-se em casa. Estava decorando uma salinha íntima e aquele
local era o ‘lugar’. Tudo ali era inspiração. Aquela mistura de épocas era bem
sugestiva. Dirigiu-se ao balcão, sempre olhando em volta. Não havia ninguém
atendendo. Uma porta entreaberta sinalizava que a qualquer momento alguém
apareceria.
Aguardou uns bons 10 minutos. Viu então um sino em cima do
balcão. Pegou-o e ergueu-o à altura dos olhos, apreciando os detalhes. Cristal com acabamento em prata, avaliou mentalmente! Passou os dedos nos detalhes. “Mas
que coisa mais mimosa” disse, sem perceber que falara alto. E então sacudiu o
sino, sorrindo ao toque musical, que não a decepcionara. Poderia ter um desses
na minha mesa, disse. Desta vez para si mesma.
Voltou a circular o olhar, imaginando o que poderia adquirir
para 'sua salinha'. Gostava de chamar de salinha íntima, apesar
de funcionar como um escritório, mas a idéia era dar um toque de feminilidade e
um certo requinte. Cercar-se de recordações e beleza, mas sobretudo de
delicadeza. Apenas uns poucos objetos para realçar o que já tinha. "Um... toque!"
Suspirou e voltou-se de novo de frente para o balcão, olhou
o relógio. Viera cedo, exatamente para encontrar as lojas vazias. Voltou a
tocar o sino.
- Pois não, dona? – Dona? Repetiu para si mesma, sem saber se assustara com a voz ou o termo. Definitivamente aquela sua manhã parecia... interessante? Acompanhou desconcertada o homem grande circular o
balcão e parar bem na sua frente. Não conseguiu responder logo, tentando refazer-se da surpresa. Definitivamente
aquele homenzarrão bigodudo com aspecto de taberneiro, seria a última figura
que esperaria encontrar ali. Bom, pelo menos não ao natural, pensou divertida e quase refeita do espanto. E seguiu divagando... Uma pintura em meio aos enormes
quadros que forravam as paredes? - Éééé... Sacudiu a cabeça de um lado para o outro em conversinha consigo mesma. Deu um passinho para trás, tentando avaliar a figura grande e o jeito... desleixado? Era impressão sua ou ele estava suando? E a roupa? Não parecia limpa. Seria o proprietário? Não havia porque se surpreender,
afinal via-se cada figura excêntrica por aí.
- - Bom dia. Desculpe, eu fui entrando, mas será que a loja
está aberta? É um pouco cedo... - O homem pareceu olhá-la confuso.
- - A porta está
aberta...
“ - Ah, sim, claro. - Sentiu-se um tanto indecisa, sem saber direito o que dizer. - Bom, eu preciso de umas peças mimosas. Estou
decorando uma sala feminina e estou pensando em algo fino.
- - Mimosas? – Ela estremeceu. Era um palito
aquilo na boca dele?
- - Sim, sim, nada muito exagerado. Vi ali umas
estatuetas de bailarina, e umas caixinhas de música lindas...
- - Hum... E
porque não pegou?
- - Bom... não sei... Tem avisos para não tocar...
- - Mas se a dona vai levar... - De novo? Santa Madalena! Ela tentava não olhar
o palito rolando de um lado para o outro na boca do homem, mas ele colocara-se
bem na sua frente.
- Talvez ele tivesse também um botequinho onde
trabalhava à noite. Afinal as pessoas devem fazer o que gostam. Não era o que
ela estava fazendo? Porque o homem não poderia? Talvez a esposa dele é que
cuidasse da loja e naquele dia encontrava-se ausente, talvez... Pareceu mais
aliviada com suas divagações, conseguindo até sorrir.
- - Se é assim... Foi e voltou com algumas peças. –
E lá estava o palito, mexendo-se e remexendo-se na boca do homem.
- - Esta peça parece bem interessante, será que não
teria outras similares, para formar um composê? – Tentava muito não olhar.
-
O homem tirou o palito da boca e ficou rolando
com ele entre os dedos, olhando a peça. Alisou o farto bigode com os dedos,
recolocou o palito na boca e pegou na peça. Ficou virando e revirando entre os
dedos, como se acompanhasse os movimentos do palito na sua boca. Deve ser um cacoete.
- - Um compu... compu...
- - Composê. – Disse. Agora com certa irritação,
concentrada em não olhar o palito que parecia ter criado olhos, não parando de
encará-la. Olhou as mãos grandes do homem meio sujas, avermelhadas, os dedos
grossos, e pensou que não teria coragem de tocar de novo naquela peça, que a
esta altura não lhe parecia mais tão mimosa, nem bonita, e muito menos
requintada. A imagem daquelas mãos grosseiras do taberneiro e do insultuoso palito, ficariam para sempre marcadas na peça.
-
O homem recolocou cuidadosamente o mimo no
balcão.
- - Deve ser uns troco violento. “Mas que diabo?!...”
- - Sim, sim, seria bom saber o preço. – Queria era
ir embora. Apertou a alsa da bolsa, que carregava no ombro direito, com as duas
mãos, tentando não enjoar com o palito, mantendo certa
distância do balcão. Voltou a estremecer quando ele retirou novamente o palito da
boca, apontando-o na sua direção. Retrocedeu mais...
- Olha
dona, eu sou só o carregador. Tou aqui no
fresquinho dando uma parada pra descansar... A D. Júlia tá lá dentro com o
patrão, conferindo as mercadoria.
Nenhum comentário:
Postar um comentário